quarta-feira, 11 de novembro de 2015

A Liderança e o Trabalho em Equipe



Por Leila Navarro

Nunca se falou tanto sobre a importância do trabalho em equipe como agora. A procura por indivíduos que tenham habilidade para trabalhar em conjunto é cada vez maior, sendo apontada como uma competência essencial.

Equipe não é somente o conjunto de pessoas que atuam juntas num determinado projeto, cada qual na sua função. O significado é mais profundo: a ideia é que cada integrante saiba qual é a sua parte no grupo, mas que leve em consideração o todo, valorizando o processo inteiro e colaborando com ideias e sugestões. E o resultado da meta estabelecida, seja num projeto empresarial, num grupo voluntário ou numa sala de aula, não é mérito somente do líder. É mérito de todos!
Faz parte do ser humano o sentimento de pertencer, integrar algo maior que ele próprio e assumir um ideal comum. Portanto, cada integrante de uma equipe precisa ter consciência de que seu trabalho é importante para seu grupo e se sentir valioso para ele.
Trata-se de uma sensação de comunidade em que todos se conhecem, se encaixam, se sentem seguros e amadurecem. Manter uma equipe coesa, no entanto, não é tarefa das mais fáceis. Afinal, trata-se de lidar com seres humanos e saber conciliar suas diferenças.
Tomemos como exemplo o corpo humano. É uma perfeita equipe! Cada órgão tem o seu funcionamento, mas se um deles apresenta algum problema, todo o organismo se estrutura para funcionar da melhor forma possível, tentando minimizar a situação e se esforçando para encontrar um caminho para solucioná-la.
Equipe é isso. Ela tem um líder natural, mas também tem de ter tripulantes e não passageiros. Os passageiros apenas ficam encostados à janela do avião, esperando a aterrissagem. Já os tripulantes colaboram para o sucesso da aterrissagem, porque cada um tem a sua função também. E todas elas são peças fundamentais para que esse avião possa decolar e aterrissar.
O dia-a-dia nos toma tanto tempo que corremos o risco de deixar passar chances únicas em nossas vidas. Temos de ser e não esperar ser, ou seja, as pessoas têm de estar dispostas, principalmente para discutir diferentes assuntos. Além disso, é necessário que cada um tenha também flexibilidade, capacidade de tratar as informações racionalmente e emocionalmente.
Emocionalmente porque todos nós teremos de aprender, daqui para frente, a liderar e sermos liderados por dois princípios: o masculino (como sempre foi) e o feminino, que vem se destacando nas relações interpessoais, principalmente, no trabalho em equipe e na importância da intuição também nos negócios.
Isso habilita a pessoa a aceitar críticas honestas e opiniões conflitantes, ou seja, dá mais jogo de cintura e flexibilidade para receber e dar feedback.
Equipes que encorajam esse tipo de prática vão aproveitar ao máximo as habilidades individuais de seus membros. E se quisermos que as nossas equipes sejam melhores e cumpram os seus objetivos, cada integrante deve se preparar para ser, individualmente, o melhor.
Mas, há um fator extremamente importante também e que poucos discutem. Como é a vida de um líder diante disso? O líder, o chefe, o supervisor, enfim, aquele que estiver no comando do negócio ou da ação, geralmente não é visto como alguém que também tem fraquezas, medos, incertezas e que tem em suas mãos o destino de cada membro da equipe e dos negócios. Muitas vezes ele é visto como o tirano, como o que tem problemas em casa, o que não sabe se relacionar com o resto do mundo, o intransigente, o mal-amado, o egoísta, o marionete da empresa.
No fundo, ele é como qualquer ser humano, e ainda tem seu pescoço à disposição da empresa, caso a equipe não consiga atingir suas metas. Viver sob este tipo de pressão, diariamente, não é nada fácil, e se ainda tem de motivar, controlar e solucionar até problemas de relacionamento dentro de uma equipe, imagine como é o comportamento dessa pessoa.
Você que é líder, veja um pouco mais sobre o que é ser líder e perceba as oportunidades, pois como diria Napoleão Bonaparte: “A capacidade pouco vale sem a oportunidade!”
Mantenha-se sempre receptivo à mudança. Tratá-la como sua inimiga o fará fracassar;
Mantenha seus colaboradores envolvidos com as mudanças, tanto quanto você estiver. Elas podem ser vencidas com muito trabalho e inteligência, desde que todos estejam juntos;
Encare sua realidade, seus desafios e problemas. Só assim é possível virar o jogo;
Gerencie menos. Assim você delega tarefas, instaura a confiança e o respeito ao trabalho dos outros e terá tempo para se dedicar aos assuntos mais importantes.
O bom humor e a educação são fundamentais para qualquer ambiente organizacional. Isso proporciona um ambiente leve, produtivo e criativo;
Estimule a criatividade e abra caminho para receber ideias, sugestões e críticas. Isso é crucial para o futuro dos negócios;
Faça elogios, reconheça o bom desempenho dos membros de sua equipe. Assim a equipe se tornará mais motivada, unida e comprometida com os desafios e resultados.
Não tema contrariar o senso comum. Decisões ousadas, que sejam baseadas na realidade da empresa, mercado ou negócios, são o caminho para o sucesso.
Trate bem as pessoas e dê oportunidade para que sejam ouvidas e se sintam dignas e pertencentes à empresa. Dessa maneira você multiplicará líderes!
Um líder deve ser humilde. Só assim ele terá chances de ser um bom líder.
Fonte: http://www.catho.com.br/carreira-sucesso/colunistas/leila-navarro/a-lideranca-e-o-trabalho-em-equipe

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

A DIMENSÃO PSICOSSOCIAL NO TRABALHO





"El predomínio casi hegemónico de lo económico sobre lo social; de la economia como un fin sobre el hombre - limitado a ser considerado como recurso y o consumidor; de las variables monetarias, fiscales y financieras sobre la producción; de lo material sobre los valores ético-morales, de la competencia y el individualismo sobre la equidad, la solidariedad y la justicia social; del consumo ilimitado sobre la satisfacción de las necessidades básicas de grandes mayorias y de las futuras generaciones; etc" (OPAS, OEA, PNUD, PNUMA, BID e Banco Mundial, 1995:3).
O trabalho é uma atividade tão específica em nossas vidas pois pode funcionar como fonte de construção, realização, satisfação, riqueza, bens materiais e serviços úteis à sociedade humana. Entretanto, o trabalho também pode significar escravidão, exploração, sofrimento mental, doença e morte.
No passado, em alguns séculos antes da Revolução Industrial era comum os homens conceberem os seus instrumentos de trabalho, realizando-o artesanalmente e de forma prazerosa. Com a chegada da divisão social capitalista do trabalho, os pequenos artesãos tiveram que se separar da concepção e produção do seu produto, limitando-se a exercer funções previamente determinadas por outrem. Com o início do sistema fabril, os (as) trabalhadores (as) foram submetidos (as) a normas rígidas que causaram desadaptações no sistema habitual de trabalho humano, tendo como conseqüência abalos na estrutura familiar, social, física e mental dos (as) trabalhadores (as) (Machado et al., 1997).

I.1 Processo de Trabalho

"A apropriação do conceito "Processo de Trabalho" como instrumento de análise possibilita reformar as concepções ainda hegemônicas que ao estabelecerem articulações simplificadas entre causa e efeito, numa perspectiva uni ou multicausal desconsideram a dimensão social e histórica do trabalho e da Saúde/Doença". (Minayo-Gomes & Thedim-Costa, 1997:27)
No final da década de 60 e início de 70, há um questionamento global da organização capitalista do trabalho, relacionando o processo de trabalho com a saúde. Uma nova compreensão das relações trabalho-saúde/doença surge, entre outras, a partir das contribuições de vários autores "filiados" à Medicina Social Latino-americana (MSL), os quais introduzem a discussão sobre a determinação social do processo saúde/doença e a importância fundamental do trabalho para o estudo desta determinação. A MSL propõe a incorporação da categoria processo de trabalho, na qual o foco não se restringe à sua composição ambiental constituída de vários fatores/agentes de risco e externa ao (a) trabalhador (a), mas como uma "categoria" explicativa que se inscreveria nas relações sociais de produção existentes entre o capital e o trabalho (Lacaz, 1996).
A relação capital-trabalho cria situações específicas de risco à saúde do (a) trabalhador (a). O (a) trabalhador (a) constitui-se no elemento mais importante do processo de trabalho de uma organização. Ele fica exposto à ação patogênica de substâncias físicas, químicas e biológicas, uso e desgaste do corpo no processo de produção e de relações sociais e pessoais potencialmente lesivas à saúde. Combinam-se outras situações de risco fora do micro ambiente de trabalho articuladas com suas condições de vida em decorrência direta e/ou indireta dos processo de produção existentes, como: diferenças salariais, acesso a serviços de saúde, preventivos e curativos, acesso a informações sobre o problema de "saúde" e educação em geral.
Em 1988, no Brasil, através da nova Constituição Federal, cria-se a Lei Orgânica de Saúde, que consagra o Sistema Único de Saúde e no seu interior as ações em Saúde do Trabalhador. O processo de trabalho pretende ser a categoria central para a análise da Saúde do Trabalhador e também como expressão concreta das relações de exploração por meio de sua organização e divisão. A área de Saúde do Trabalhador não se limita à identificação de fatores de risco ou de protetores, mas evidencia e incorpora a relação da saúde com a inserção social e a dinâmica do processo de trabalho.
As ações na área de Saúde do Trabalhador andarão passo a passo com o exercício da cidadania relacionado ao direito à vida, materializado na legislação, na ação e organização do Estado, no poder de influência de sindicatos e da sociedade organizada como um todo. Por isso, as ações nessa área devem se articular com os movimentos de trabalhadores (as), democratizando as negociações ainda excludentes Estado-Instituições, e fortalecendo a questão saúde como critério presente no jogo político, econômico e técnico dos investimentos e estratégias produtivas.

Riscos, Cargas de Trabalho e o Processo de Desgaste

No processo de produção capitalista o (a) trabalhador (a) atua como mercadoria/força de trabalho e não produz para si, mas para o capital, que detém os meios de produção. A lógica da produção passa pelo processo de valorização do capital, através da produção de mais-valia. Essa questão é de vital importância, pois o conceito de desgaste está associado a um processo de trabalho que fragmenta a relação entre o (a) trabalhador (a), os meios de produção e o produto resultante do trabalho. O trabalho é subordinado à lógica de acumulação, sendo os (as) trabalhadores (as) submetidos (as) a toda uma sorte de riscos derivados dos materiais, ambientes, máquinas, instrumentos e uma organização do trabalho que impõe a coerção e o ritmo da produção através de métodos de trabalho, relações hierárquicas e sistemas punitivos (Brito & Porto,1992).
O esvaziamento das experiências profissionais do (a) trabalhador (a) gera o sentimento de desqualificação e corte em sua identidade profissional, representando a alienação progressiva em relação aos processos de produção. O trabalho torna-se estranho aos desejos e interesses da pessoa. Além da separação entre concepção e execução, outras formas de divisão do trabalho foram sendo implantadas, originando atividades laborais cada vez mais segmentadas. Esta fragmentação do trabalho serviu simultaneamente para intensificar o ritmo das atividades e para favorecer o aumento do controle exercido sobre os desempenhos dos trabalhadores, provocando fadiga, superexploração, ansiedade, acidentes e uma série de doenças. Ou seja, fragmentando o próprio trabalhador.
A hierarquização e a divisão de tarefas constituem aspectos essenciais na organização do trabalho. Do ponto de vista dos interesses do capital, deverão funcionar de modo a garantir, simultaneamente, a máxima eficácia do processo de produção e a máxima sujeição possível dos (as) trabalhadores (as). Segundo Seligmann-Silva (1994), os dispositivos e processos psicológicos e psicossociais utilizados como forma de pressionar os trabalhadores são de toda ordem. As tecnologias de controle como a disciplinarização dos mecanismos de trabalho, a gestão dos afetos realizados pelos serviços de Recursos Humanos e as novas formas mais sofisticadas de controle - introjeção da dominação, controle recíproco, etc. - têm importante peso para a vida psíquica dos (as) trabalhadores (as), quer em termos de cansaço físico, mental e de tensão, quer no efeito alienante. Observamos ainda a ocultação do desgaste aos (as) trabalhadores (as) através da monetarização dos riscos no trabalho. Tal prática leva o (a) trabalhador (a) a aceitar condições de insalubridade e risco de vida (periculosidade) pagos em dinheiro, ao invés de exigir a transformação das condições de trabalho. Pela ação do aparelho ideológico institucional, fica em segundo plano a questão da saúde e da integridade física e mental do (a) trabalhador (a). A monetarização dos riscos, desse modo, irá se articular aos mecanismos psicológicos e psicossociais de negação do próprio risco.
Tecnologias e Riscos

A difusão de processos de trabalho industriais teve como conseqüência a criação e expansão de diversos riscos para a saúde dos (as) trabalhadores (as). Isto porque um grande número de tecnologias industriais de fabricação envolvem riscos para a saúde, pois concentram energias e materiais que o corpo humano está despreparado para enfrentar sem mecanismos especiais de proteção. Embora de forma dinâmica e flexível, o ser humano possui limites para enfrentar determinadas alterações ambientais que impedem ou desfavorecem à manutenção e expressão de sua vida. O uso de novas tecnologias tornam maiores as exigências de concentração mental e a tendência é tornar o trabalho mais intenso e complexo. O acidente com máquinas e instrumentos de trabalho associados a material biológico e o desgaste físico e mental decorrentes de ritmos elevados de trabalho e mecanismos rígidos de coerção, são alguns dos exemplos de casos onde o (a) trabalhador (a) pode adoecer em função do trabalho.

Cargas de trabalho, Carga Psíquica e a Organização de Trabalho

Laurell e Noriega (1989), no intuito de distanciarem-se do conceito de Risco, por considerarem-no insuficiente para apreender a lógica global do processo de trabalho, utilizam-se do que denominam Carga de Trabalho abarcando tanto as físicas, químicas e mecânicas quanto as fisiológicas e psíquicas que interatuam dinamicamente entre si e com o corpo do (a) trabalhador (a). Assinalam que estas últimas "não têm materialidade visível externa ao corpo humano". Noriega (1993) passa a atribuir às exigências - enquanto requerimentos decorrentes da organização do trabalho e da atividade do (a) trabalhador (a) - um papel relevante na conformação dos perfis de saúde-doença dos coletivos de trabalhadores (as), ao distinguí-las dos riscos, relacionados aos objetos e meios de trabalho.
" A categoria "carga de trabalho" pretende alcançar uma conceituação mais precisa do que temos consignado até o momento com a pré-noção de "condições ambientais" no que diz respeito ao processo de trabalho. Dessa forma busca-se ressaltar na análise do processo de trabalho os elementos deste que interatuam dinamicamente entre si e com o trabalhador, gerando processos de adaptação que se traduzem em desgaste, entendido como perda da capacidade potencial e/ou efetiva corporal e psíquica. Vale dizer, o conceito de carga possibilita uma análise do processo de trabalho que extrai e sintetiza os elementos que determinam de modo importante o nexo biopsíquico dos trabalhadores e confere a estes um modo histórico específico de "andar a vida"(Laurell,1987:110).
Dejours (1994), propõe reservar aos elementos afetivos e relacionais da carga mental um referencial específico denominado carga psíquica do trabalho. O rebaixamento de tensão, a descarga da energia pulsional segundo o modelo freudiano é a origem e a fonte mesma do prazer, isto é, do alívio da carga psíquica de trabalho. Se o trabalho permite essa descarga ele passa a ser um instrumento de equilíbrio para o (a) trabalhador (a).
A organização do trabalho é de certa forma, a vontade de outro, ela determina não somente a divisão do trabalho, mas também a divisão dos homens. A carga psíquica do trabalho resulta da confrontação do desejo do (a) trabalhador (a), que possui uma história pessoal, motivações e necessidades psicológicas que confere a cada indivíduo características únicas, à injunção do empregador contida na organização do trabalho. Quando não há mais arranjo possível da organização do trabalho pelo (a) trabalhador (a), quando a relação do (a) trabalhador (a) com a organização do trabalho (conflito com a tarefa) é bloqueada, o sofrimento começa. Para transformar um trabalho desgastante em um trabalho prazeroso, precisa-se flexibilizar a organização do trabalho, de modo a deixar maior liberdade ao (a) trabalhador (a) para rearranjar seu modo operatório.
Análise das cargas em seu conjunto e o marco da lógica global do processo de trabalho

É na interação entre as cargas dos diferentes grupos que se começa a vislumbrar plenamente a necessidade de analisá-las em seu conjunto e no marco da lógica global do processo de trabalho. Tomando a questão dos acidentes como exemplo, torna-se evidente que a perspectiva que somente contempla as condições (as cargas mecânicas) e os atos inseguros (o "descuido do (a) trabalhador (a)") tem uma baixa capacidade explicativa e é, ademais, mistificadora. Se, pelo contrário, se analisa a dinâmica do acidente a partir da lógica do processo de produção, aparecem novos elementos "causais" e uma articulação totalmente distinta entre eles. Entendendo as cargas como os elementos que sintetizam a mediação entre o trabalho e o desgaste do (a) trabalhador (a), a dinâmica do acidente quase sempre envolve várias delas. Essa combinação de cargas tem em cada caso uma conformação singular. Como exemplo, poderíamos ilustrar um profissional de saúde trabalhando numa posição incômoda (carga fisiológica), fatigado porque alterna turnos (carga fisiológica e psíquica), com tensão nervosa pela pressão da chefia imediata e pelo alto ritmo de trabalho (cargas psíquicas); atravessado por uma série de cargas que, por seu turno, não só se somam como se potencializam entre si e dão concretude ao processo de trabalho de modo singular. O "ato inseguro", ou seja, a conduta equivocada ou o "descuido" do profissional de saúde, nessas condições, dificilmente pode ser considerada como sendo exclusivamente de sua responsabilidade, mas como produto de uma combinação de cargas determinada pela lógica global do processo de trabalho.
A situação de trabalho constitui-se num conjunto complexo que inclui as condições físicas, químicas, biológicas e psíquicas do ambiente de trabalho, os aspectos técnicos, a organização prescrita e a organização real das atividades de trabalho, bem como a gestão das mesmas; a caracterização dos canais formais de comunicação e das relações interpessoais. O regime de trabalho em turnos alternados (muito comum na área hospitalar), também conhecido como turnos de revezamento, tem sido bastante estudado internacionalmente pelos agravos que acarreta para a saúde física, psíquica e social, transtornando, principalmente, os biorritmos naturais do sistema nervoso, da área endócrina (glandular) e do aparelho digestivo. No caso do ritmo do trabalho, os (as) trabalhadores (as) geralmente consideram que o próprio processo de trabalho condiciona o ritmo acelerado. A ansiedade relacionada às "pressões de tempo" geralmente são indissociáveis das tensões "por pressão de chefia". A ocorrência de fadiga, muitas vezes, está associada a exigências específicas determinadas pelo conteúdo das tarefas. Quando a função desempenhada é complexa e exige simultaneidade de focos de atenção e de atuação prática (como no caso dos (as) profissionais de saúde que lidam diretamente com os pacientes), a fadiga mental se torna perceptível em menor espaço de tempo. Por exemplo, quando à complexidade da função exercida se acrescenta o esforço de manter a atenção voltada para a possibilidade de sofrer acidente.
Podemos encontrar interrelações entre a fadiga e a tensão com as condições gerais de vida. A acumulação do cansaço que conduz à fadiga patológica pode ser facilitada quando a distância entre o local de trabalho e local de moradia são extensos. Torna-se ainda mais penoso quando não existem meios de transporte suficientes ou providos de um mínimo conforto. Acrescenta-se a necessidade de despertar várias horas antes da entrada no horário do turno, tendo em vista a espera e o tempo de condução ou mesmo, o tempo a ser gasto com uma longa caminhada e a violência urbana.

As circunstâncias laborais, em situações bastantes variadas no hospital, podem conduzir à constituição de sentimentos de culpa. Tendo cometido uma falha de desempenho ou se acidentado, o (a) trabalhador (a), muitas vezes, volta a acusação contra si mesmo (a), incorporando pontos de vista do Programa de Biossegurança ("ato inseguro" como fator causal) e deixando de considerar causas como o próprio processo e organização hospitalar. 

Psicopatologia e Psicodinâmica de Trabalho

Quando o foco de atenção volta-se prioritariamente para os aspectos ligados à organização do trabalho, aparecem com maior significância os efeitos de caráter psicossocial. Os postulados da Psicopatologia do Trabalho e, mais recentemente, da Psicodinâmica do Trabalho (Dejours, 1994) abrem novas perspectivas, superadoras da visão monolítica e restritiva da nocividade do trabalho que induz o caminhar pelo terreno do sofrimento mental. Em contrapartida, buscam desvelar na organização real do trabalho as estratégias adaptativas intersubjetivas, de defesa/oposição, latentes na tensão entre a procura de prazer/reconhecimento dos sujeitos e os constrangimentos externos advindos das situações de trabalho.
Como fazem os (as) trabalhadores (as) para resistir aos ataques ao seu funcionamento psíquico provocados pelo seu trabalho? O que fazem para não ficarem loucos?
A existência de um estado compatível com a normalidade, o sofrimento no trabalho, implica em uma série de mecanismos de regulação. Implica, antes de tudo, em um estado de luta do sujeito contra forças que o estão empurrando em direção à doença mental. É na organização do trabalho que devem ser procuradas estas forças. De acordo com Dejours (1988), a organização do trabalho exerce sobre o homem uma ação específica, cujo impacto é o aparelho psíquico. Em certas circunstâncias, surge um sofrimento que pode ser atribuído ao conflito entre uma história individual, portadora de projetos, de esperanças e de desejos e uma organização de trabalho que os ignora. Esse sofrimento de natureza mental inicia quando o (a) trabalhador (a), já não pode fazer nenhuma mudança na sua tarefa no sentido de torná-la mais de acordo com suas necessidades fisiológicas e seus desejos psicológicos, isso é, quando a relação do indivíduo com o trabalho é interrompida, impedida de movimento.
A organização do trabalho é entendida não só como a divisão do trabalho (divisão das tarefas entre os (as) trabalhadores (as), os ritmos impostos e os modos operatórios prescritos) mas também, e sobretudo, a divisão de homens para garantir a divisão de tarefas, representada pelas hierarquias, as repartições de responsabilidade e os sistemas de controle.
Sofrimento psíquico, trabalho e sistemas de defesas coletivas

O sofrimento é inerente ao ser humano e à vida em sociedade, estando presente na realidade do trabalho. Pode contudo, Ter uma trajetória patológica, daí que o sofrimento mental no trabalho vem preocupando especialistas do mundo inteiro. O impacto da globalização na organização do trabalho, as exigências crescentes de maior qualificação profissional, a competitividade, a precarização do trabalho e a ameaça constante do desemprego têm causado os mais diversos efeitos sobre a saúde mental dos (as) trabalhadores (as).
No caso da atividade real de trabalho, muitas vezes a percepção de riscos gera medo. Entretanto, a necessidade de ter que executar as tarefas contrapõe-se à emergência de manifestações deste medo. Nas situações em que o trabalho é exigido em ritmo intenso e rápido, há um considerável incremento de ansiedade, pois, à medida que o cansaço cresce, o (a) próprio (a) trabalhador (a) vai percebendo a dificuldade de dividir sua atenção entre a execução da tarefa e os cuidados para evitar acidente. O esforço para controlar o medo gera enorme tensão. Esta tensão diz respeito também, muitas vezes, aos esforços para utilizar incômodos EPI’s (equipamentos de proteção individual) ou aos conflitos e riscos assumidos para recusar o seu uso. Como exemplo temos as máscaras que prejudicam a visão e, por conseguinte, ao invés de protegerem, aumentam os riscos de acidente. O medo é causado pela necessidade de administrar e conviver com as mais variadas situações de risco. Dejours (1988) alerta que o medo relativo ao risco pode ficar sensivelmente amplificado pelo desconhecimento dos limites desse risco ou pela ignorância dos métodos de prevenção eficazes. Além de ser um coeficiente de multiplicação do medo, a ignorância também aumenta o custo mental ou psíquico do trabalho. O inesperado durante a atividade do trabalho causa uma certa impotência pelo fato do (a) trabalhador (a) não saber o que se passa em outras áreas. Isso traz um grande desgaste psíquico, pois exige maior controle para que sua atitude não piore a situação.
Em suas primeiras investigações, Dejours (1988) demonstrou que os (as) trabalhadores (as) em grupo são capazes de reconstruir a lógica das pressões de trabalho que os fazem sofrer. E, também, podem fazer funcionar sistemas defensivos coletivamente construídos para lutar contra os efeitos desestabilizadores e patogênicos do trabalho. "Contra o sofrimento, a ansiedade e a insatisfação os trabalhadores constroem sistemas defensivos" (Dejours, 1988:36).
O conflito entre a organização do trabalho e o funcionamento psíquico pôde ser reconhecido como fonte de sofrimento, mas este também suscita sistemas defensivos. Essas defesas levam à modificação, transformação e, em geral, à minimização da percepção que os (as) trabalhadores (as) têm da realidade que os (as) fazem sofrer. De vítimas passivas, os (as) trabalhadores (as) colocam-se na posição de agentes ativos de um desafio, de uma atitude provocadora ou de uma minimização diante da dita pressão patogênica. Os sistemas defensivos funcionam como regras e como toda regra, eles supõe um consenso ou um acordo partilhado. Os sistemas coletivos de defesa só se sustentam se for por consenso, dependendo de condições externas e atuam sobre a percepção da realidade.
Por outro lado, estes sistemas coletivos de defesas também podem chegar a configurar-se em verdadeiras ideologias defensivas. Estas funcionam inteiramente desvinculadas de qualquer perspectiva política libertadora e respondem unicamente à necessidade de suportar a penosidade do trabalho e, acima de tudo, ao medo e à ansiedade de conviver cotidianamente com os riscos de acidente e de vida. Favorecem, portanto, à dominação e à exploração, pois estão voltadas exclusivamente para a negação coletiva dos riscos.
Os (as) trabalhadores (as) constróem também, verdadeiras regras de trabalho (ou de ofício) que não estão de acordo com a organização do trabalho oficial. Elaboram verdadeiros princípios reguladores para a ação e para a gestão das dificuldades ordinárias e extraordinárias observadas no curso do trabalho (Cru, 1987). O (a) trabalhador (a) desenvolve um tipo de inteligência em constante ruptura com as normas e as regras, uma inteligência fundamentalmente transgressiva denominada "inteligência astuciosa". Esta inteligência funciona sempre em relação a uma regulamentação feita anteriormente (pela organização oficial do trabalho) que ela subverte para dar conta da variabilidade, pelas falhas da prescrição, pelas necessidades do trabalho e para atender os objetivos com procedimentos mais eficazes, ao invés da utilização estrita dos modos operatórios prescritos. Ela não leva somente à atenuação do sofrimento, mas a atingir, como contrapartida de seu exercício bem sucedido, o prazer (Dejours, 1994). O maior desafio é saber quais são as ações possíveis de modificar a trajetória para o sofrimento patogênico em outra direção, a do sofrimento criativo. Quando o sofrimento pode ser transformado em criatividade, quando há margens de liberdade na transformação, gestão e aperfeiçoamento da organização do trabalho, ele traz uma contribuição que beneficia a identidade do (a) trabalhador (a), aumentando a resistência do sujeito ao risco de desestabilização psíquica e somática. O trabalho passa então a funcionar como mediador para a saúde (Dejours, 1994). De outra forma, quando não há nada além de pressões fixas, rígidas, incontornáveis, inaugurando a repetição e a frustração, o aborrecimento, o medo ou o sentimento de impotência, temos o sofrimento patogênico.
Efeitos colaterais e fenômenos psicossomáticos: As relações entre saúde e Normalidade

A normalidade pressupõe uma construção feita por cada um dos sujeitos, uma luta incessante para reconquistar o que se perde, refazer o que se desfaz, reestabilizar o que se desestabiliza. A normalidade é freqüentemente conquistada a custo de certas patologias crônicas, notadamente patologias somáticas, para onde submerge uma parte do sofrimento que não consegue encontrar soluções adequadas, isto é, soluções que passem pela transformação da situação concreta de maneira a adequá-las melhor às necessidades e aos desejos do sujeito.
As doenças evoluem por avanços, por crises, na vida das pessoas e, muitas vezes, elas acontecem quando alguma coisa de penoso ocorre na vida psíquica e afetiva do indivíduo. São conhecidos numerosos exemplos onde a doença física pode ser desencadeada por ocasião de uma situação afetiva insustentável, ou seja, no momento em que o sujeito está, de certa forma, pressionado por um impasse psíquico. No centro da relação saúde-trabalho, a vivência do (a) trabalhador (a) ocupa um lugar particular que lhe é conferido pela posição privilegiada do aparelho psíquico na economia psicossomática. Neste contexto, a insatisfação em relação ao conteúdo significativo da tarefa em uma organização de trabalho rígida e imposta, pode engendrar um sofrimento cujo ponto de impacto é antes de tudo mental. Todavia, o sofrimento mental resultante de uma frustração a nível de conteúdo significativo da tarefa, pode igualmente levar a somatizações. A somatização é o processo pelo qual um conflito que não consegue encontrar uma resolução mental, desencadeia no corpo desordens endócrino-metabólicas que é o ponto de partida de uma doença somática.

O Caminho da Somatização

A Psicossomática é uma das mais fecundas áreas de interface para o desenvolvimento da pesquisa sobre o fenômeno humano. Nos últimos setenta anos surgiu um grande número de trabalhos que levantaram questões para a compreensão dos vários aspectos que tangem os processos do ser humano, na saúde, na doença e na condução de sua experiência concreta de ser vivo, social e culturalmente determinado.
O corpo não é o exterior, sendo a mente seu interior. Os processos psíquicos não se dão "dentro" do homem. O corpo não lhe é um mero veículo, ou uma veste, ou um calçado. O corpo e a mente interpenetram-se. Não há processos puramente orgânicos e nem unicamente mentais. Embora se devam respeitar as especificidades dos registros, havendo assim uma esfera biológica, uma esfera físico-química, dimensões simbólicas organizadas por esferas sociais e culturais, e uma esfera própria ao psiquismo, há contudo, uma continuidade no fenômeno humano (Ávila, 1997).
As diferentes situações de oposição da vida comum constituem autêntico estado de conflito, provocando tensões progressivas. O limiar de aceitação dessas tensões é específico para cada pessoa. Quando essa capacidade defensiva de elaboração do processo mental se esgota, as cargas psíquicas transbordam, desaguando no corpo. É onde começa o desvio da saúde, pela leitura desarmoniosa e desequilibrada precedida pelas instâncias do aparelho mental, na mediação dos acontecimentos do mundo externo que afligem o indivíduo, simultaneamente com os objetos do seu mundo interno. O homem necessita enfrentar, operar e resolver fenômenos sucessivos em diferentes períodos. Ele só pode se desenvolver, estando em equilíbrio com suas estruturas psíquicas e somáticas, através da mediação da mente (Capisano, 1997).
De acordo com Dejours (1988), a somatização pode atingir tanto um sujeito com estrutura neurótica quanto psicótica, e estes episódios ocorrem geralmente quando o funcionamento mental do sujeito é momentaneamente colocado fora do circuito. Seguindo essa linha de raciocínio, os fenômenos psicossomáticos podem ocorrer em qualquer trabalhador (a), não dependendo dele (a) apresentar ou não uma estrutura psíquica denominada psicossomatose (Mc Dougall,1991) para poder somatizar.
A saúde mental não é, seguramente, a ausência de angústia, nem o conforto constante e uniforme. A saúde é a existência da esperança, das metas, dos objetivos que podem ser elaborados: é quando há o desejo. O que faz as pessoas viverem é o desejo e não só as satisfações (Dejours, 1993).

Psicossomática e Trabalho

O (a) trabalhador (a) não chega ao seu trabalho como uma máquina nova. Ele tem uma história pessoal, que se concretiza por uma certa qualidade de aspirações, de desejos, motivações e necessidades psicológicas. Isto confere a cada indivíduo características únicas e pessoais que combatem o mito do (a) "trabalhador (a) médio (a)" tão ao gosto do Taylorismo. O (a) trabalhador (a), em função de sua história, dispõe de vias de descarga preferenciais, que não são as mesmas para todos e que participam daquilo que se chama estrutura da personalidade.
Sem a pretensão de medir a carga psíquica, Dejours (1993) propôs um modelo para explicar o processo de vias de descargas preferenciais, e no caso específico de nosso tema, a via visceral. Ou seja, submetido a excitações vindas do exterior (informações visuais, auditivas, táteis etc.) ou do interior (excitações instintuais e pulsionais, inveja, desejo) o trabalhador retém energia. A excitação quando se acumula, torna-se a origem de uma tensão psíquica, popularmente chamada de tensão nervosa. Para liberar esta energia, o (a) trabalhador (a) dispõe de muitas vias de descarga, que são, esquematicamente a via psíquica, via motórica e via visceral. Quando a via mental e a via motórica estão fora de ação, a energia pulsional não pode descarregar senão pela via do sistema nervoso autônomo e pela desregulação das funções somáticas (é a via visceral).
Dentro destas proposições, concordando com Dejours (1993), precisamos avaliar se a tarefa à qual está afetado o (a) trabalhador (a), oferece um escoamento conveniente da sua energia psíquica. Neste sentido, no caso da carga psíquica, o perigo principal será o da subutilização ou o da repressão das aptidões psíquicas, fantasiosas ou psicomotoras, que ocasiona uma retenção de energia pulsional ("tensão nervosa").
O bem-estar psíquico não provém da ausência de funcionamento, mas ao contrário, de um livre funcionamento em relação ao conteúdo da tarefa. Se o trabalho favorece esse livre funcionamento, ele será fator de equilíbrio, se ele se opõe, será fator de sofrimento e doença.

Os efeitos colaterais e a relação terapêutica

A Organização Mundial de Saúde (1972), definiu efeitos colaterais como reação adversa produzida por um medicamento, ou seja, qualquer efeito prejudicial ou indesejável que se apresente após a administração das doses normalmente utilizadas no homem para a profilaxia, o diagnóstico e o tratamento de uma enfermidade. Considera-se que os termos "reação adversa", "efeito indesejável" e "doença iatrogênica" são equivalentes e respondem à definição anterior.
De acordo com Michael Balint (1975), a droga mais freqüentemente usada na prática médica é o próprio médico. Sabe-se que inúmeros fatores podem interferir iatrogenicamente no relacionamento médico-paciente, sobretudo aqueles que dizem respeito à formação do profissional, às condições de trabalho do local da consulta e aos perfis de personalidade dos protagonistas desse encontro (Sougey & Carvalho, 1997).
Discutindo a consulta médica do ponto de vista sócio-psicossomático, Pontes e col. (1986) afirmam que "todos os atos do homem ocorrem correlatamente nas três áreas do seu existir: corpo, mente e mundo exterior". É comum pacientes apresentarem fantasias em relação ao médico, ao medicamento e à própria evolução do tratamento. Os pacientes devem, portanto, ser esclarecidos sobre as características e objetivos do tratamento, informados sobre os possíveis efeitos indesejáveis e sobretudo sobre as razões que motivaram aquela prescrição.

Para saber e ler mais: http://portalteses.icict.fiocruz.br/transf.php?script=thes_chap&id=00001702&lng=pt&nrm=iso

Trabalho e subjetividade: o olhar da Psicodinâmica do Trabalho

Por Selma Lancman e Seiji Uchida



O presente artigo discute alguns aspectos teóricos da relação entre subjetividade e organização do trabalho. Para tanto, nos pautamos nos principais alicerces teóricos da abordagem dejouriana: a psicanálise, a hermenêutica e a teoria da ação. Buscamos subsidiar o leitor que queira se utilizar da clínica do trabalho em suas ações de intervenção e pesquisa a avançar teoricamente e a se familiarizar com o debate atual desenvolvido pela Psicodinâmica do Trabalho.

Palavras-chave: Saúde Mental e Trabalho, Subjetividade, Psicodinâmica do Trabalho.

Temos como objetivo discutir a importância da subjetividade hoje e o modo como apreendê-la nas organizações do trabalho a partir de uma abordagem atualmente conhecida como Psicodinâmica do Trabalho. Isso significa privilegiar uma determinada ótica, ou seja, aquela que articula sofrimento e saúde no trabalho. Antes de tratarmos da questão propriamente dita, gostaríamos de contextualizar o problema sobre o qual estamos nos propondo a refletir. Taylor (1995), quando propôs a Organização Científica do Trabalho (OCT) e sua tripla divisão (divisão do modo operatório, divisão entre órgãos de concepção intelectual e execução e divisão dos homens), aparentemente buscou eliminar a subjetividade do trabalho por meio do controle dos corpos dos trabalhadores cindidos de suas mentes. Na realidade, ao observarmos sua concepção de organização como um todo, ele reafirma a importância da subjetividade. A direção e os planejadores – para produzir e impor as diretrizes da empresa, sua política, sua estratégia e seus objetivos – necessitam pensar, decidir, planejar, avaliar, assim por diante. Dejours e Abdoucheli (1994) afirmam que numa organização hierarquizada do tipo piramidal quanto mais se sobe na estrutura da empresa, mais se abrem as possibilidades para a expressão e imposição dos desejos de quem ocupa os postos de chefia. Nesse sentido, somente a alta direção poderia manifestar mais plenamente os seus anseios, pensamentos e desejos. A subjetividade dos trabalhadores é reafirmada pela necessidade de seu controle para que aquilo que foi traçado seja rigorosamente cumprido. Dito de outro modo, sua importância é reconhecida pelo avesso, ou seja, para evitar ao máximo a possibilidade dos trabalhadores criarem obstáculos e desvios na produção. Logo, quanto mais se desce na hierarquia da empresa, menor vai ser a possibilidade de expressão de seus pensamentos e desejos na condução das atividades. Desde então a subjetividade dos trabalhadores é vista, no mínimo, com desconfiança enquanto a dos dirigentes é valorizada. Logo, não se trata na realidade de perguntar se a subjetividade é fundamental ou não hoje, uma vez que ela está sempre presente, mas qual é o lugar que ocupa e que importância tem no contexto atual.

Por exemplo, desde que a ergonomia francesa, na década de 80, fez a distinção entre o trabalho prescrito e o trabalho real, o modo como os trabalhadores lidam com a distância entre eles passa a ser uma questão essencial a ser tratada. Dejours desenvolve os conceitos de inteligência prática e sabedoria prática para dar conta dessa “face oculta do trabalho” (Dejours, 1993b, p. 47). Falar em inteligência e saber prático vai muito além do saber-fazer prático, dos conhecimentos informais e de experiências vividas. O que os diferencia é que a inteligência e a sabedoria prática se enraízam no corpo, é desde a vivência corporal do trabalho que estas vão sendo gestadas. Implicam também uma prática ardilosa, um modo astucioso de lidar com os problemas e enigmas do trabalho. Finalmente, são utilizadas em todas as tarefas e atividades para compreender aquilo que resiste às prescrições e saberes atuais e para engendrar estratégias criativas, inovadoras e engenhosas. Com a crise dos anos 70, Harvey defende a tese de que vivemos um momento de transição do fordismo-keynnesiano (hegemonia do capital industrial) para o da acumulação flexível do capital: [a acumulação flexível do capital] é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo (...) se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos (...) (Harvey, 2000, p. 140). É importante assinalar também que a flexibilização da produção implica, ao mesmo tempo, a necessidade de flexibilização do mercado consumidor. No dizer de Harvey (2000), seguindo a escola da regulação , trata-se de transformar as formas de reprodução, ou seja, todas as relações sociais que sustentam e re-põem as relações de produção, para que a nova lógica de acumulação do capital possa se tornar hegemônicahttp://farm4.static.flickr.com/3591/3375443647_ff6c6ca9cb_m.jpg . Especialistas em economia política e história econômica discutem se essas mudanças significam uma nova forma de acumulação (Harvey, 2000) ou se são apenas uma repetição de ciclos históricos do capitalismo (Arrighi, 2000). Não nos deteremos nessa polêmica, pois para os objetivos deste trabalho, uma outra discussão parece-nos essencial: o novo contexto organizacional traz a flexibilização ou a precarização do trabalho? . Para nós essa discussão é fundamental, pois está diretamente relacionada ao lugar que a subjetividade ocupa atualmente. É consenso entre muitos autores (Bergamini, 1994, 1997; Motta & Caldas, 1997; Freitas, 2000; Kets de Vrie, 1997) que trabalham com as questões organizacionais que temas como motivação, liderança, trabalho em equipe, talentos, gestão de pessoas, cultura organizacional, clima organizacional, gestão participativa etc., são fundamentais hoje para que as empresas possam não só sobreviver, mas, se possível, vencer a dura batalha da competição.

Sofrimento psíquico e trabalho

Aqui, a Psicanálise nos ajuda a compreender como a Psicodinâmica do Trabalho pensa e apreende essa vivência no trabalho. Vai ser por meio do conceito psicanalítico de angústia que Dejours irá pensar a gênese do sofrimento que pré-existe ao trabalho 9 . Buscará analisar como ela se origina no sujeito em suas relações primitivas com os pais. A criança, inicialmente, é susceptível à angústia dos pais, principalmente aquela com a qual os pais têm dificuldades de lidar. Ao vivenciá-la passa a senti-la como se fosse sua, pois nesse momento de sua vida não tem condições de distinguir o que é seu e o que é dos seus pais. Quando adquire a capacidade de falar, tenta expressar essa angústia para poder elaborá-la, mas infelizmente não encontra espaço psíquico propício nos pais, pois estes não têm condições de ajudá-la na medida em que a criança recoloca em cena aquilo que os fez sofrer. Essa angústia não elaborada vai adquirir uma característica enigmática e será origem de uma curiosidade jamais satisfeita, de um desejo de saber e compreender que periodicamente será reposto pelas situações conjunturais, ou seja, estas funcionariam como fatores desencadeantes da primitiva curiosidade. Ao mesmo tempo, irá constituir-se como zona de fragilidade psíquica do sujeito, uma face obscura e para sempre desconhecida. Um dos espaços sociais privilegiados em que a criança, ao se tornar adulto, vai repor essa angústia é o trabalho. Nesse locus procurará, indiretamente, elaborar esse sofrimento primitivo e, a cada enigma do trabalho que resolver, sentirá que se fortalece psiquicamente e a zona de obscuridade diminuirá um pouco. Dejours chamará de ressonância simbólica a esaa complexa relação entre o mundo psíquico e o mundo do trabalho. Para a apreensão das angústias vividas no trabalho, Dejours, inspirado na Psicanálise, propõe uma atividade de escuta atenta à fala dos trabalhadores. Não só a fala individual, mas principalmente a coletiva 10 . Isso porque, para a Psicodinâmica do Trabalho, se o sofrimento é da ordem do singular, sua solução é coletiva. Para tanto é fundamental que se crie o que o autor chama de espaço público, espaço de circulação da palavra coletiva. É na escuta do que é expresso que se cria a possibilidade do sofrimento emergir e sua solução ser pensada por todos. Como bem demonstrou a Psicanálise, fala e escuta autênticas não são dissociáveis. São atividades intrinsecamente ligadas e uma não existe sem a outra. A construção do espaço público pelo coletivo do trabalho passa necessariamente pela aprendizagem da escuta e da fala. É um processo complexo, cheio de conflitos, discussões, confrontos, deliberações e arbitragens entre as diversas pessoas. O futuro dessa construção é incerto e desconhecido. No plano pessoal, exige-se muito dos indivíduos engajados nesse processo. Freqüentemente os efeitos são desastrosos para os trabalhadores quando não ocorre o reconhecimento. Para que haja então um comprometimento pessoal mais duradouro nesse processo, é necessário que eles vejam a possibilidade de retribuição para os seus esforços: “(...) a forma específica da retribuição é o reconhecimento no sentido duplo do termo: reconhecimento no sentido de admitir essa contribuição da pessoa e reconhecimento no sentido de gratidão” (Dejours, 1999b, p. 29, itálicos do autor).

Não se trata de qualquer reconhecimento, mas sim do reconhecimento dos pares, na medida em que estes conhecem a fundo o trabalho e podem avaliá-lo em aspectos por vezes menos visíveis para os leigos. O autor tem consciência de que o julgamento dos pares é o mais severo e crítico. Ao passar pelo escrutínio deles e receber sua aprovação, o trabalhador sente-se retribuído e sai fortalecido desse processo. Junto a esse reconhecimento, um outro é citado por Dejours: o de utilidade, aquele feito pelo cliente e pela chefia. Esses dois mecanismos de reconhecimento são fundamentais, pois o que em última instância está em jogo é sua identidade. Ela se constitui no interjogo das relações sociais, sendo que um dos elementos essenciais para sua produção é o reconhecimento social. O trabalho, nesse sentido, é um campo privilegiado na conquista da identidade pelos indivíduos. Cabe aqui uma consideração sobre o reconhecimento social no campo do trabalho: ele ocorre de forma indireta em relação à atividade. Nesse sentido, “o que o sujeito procura fazer reconhecido é o seu fazer e não o seu ser (...) Somente depois de ter reconhecida a qualidade do meu trabalho é que posso, em um momento posterior, repatriar esse reconhecimento para o registro da identidade” (Dejours, 1999b, p. 21). Desse modo sintético podemos compreender como Dejours articula as três racionalidades apontadas por Ferreira.

O sentido do trabalho

Gostaríamos de apontar agora uma outra questão que perpassa a discussão realizada até o presente momento e que é essencial na discussão sobre trabalho e subjetividade. Tratase da questão da produção da significação, do sentido do trabalho pelos indivíduos. Isso implica, para o pesquisador, a difícil tarefa de aceder ao sentido das condutas e comportamentos dos sujeitos no trabalho, compartilhar a significação que estes atribuem às suas ações. Como a Psicodinâmica do Trabalho situa-se nas trilhas abertas da tradição compreensiva nas Ciências Humanas, isso significa defender a concepção de um sujeito “responsável pelos seus atos e capaz de pensar, de interpretar os sentido da situação em que se encontra, de deliberar ou de decidir e de agir”. Significa supor que ele possui inteligência – isso em dois sentidos: “inteligência como competência cognitiva e inteligência como liberdade de aceder à inteligibilidade, à compreensão das coisas ou da situação (inteligência das coisas)”. É admitir que ele (o trabalhador) “...age em função da razão” (Dejours, 1999c, p. 207). Compreender as racionalidades das ações de um sujeito com essas características significa pôr a difícil questão da interpretação com todas as conseqüências possíveis: “seu estatuto, sua verdade, sua validação, sua verificação” (Dejours, 1999c, p. 207). Não nos parece à toa que Dejours será conduzido diretamente a discutir a questão da hermenêutica. Dois serão os seus interlocutores: Gadamer e Ricoeur. Gadamer é importante pois seu projeto consiste não em desenvolver “um processo de compreensão, mas elucidar as condições que permitem a compreensão” (Dejours, 1999c, p. 208). Em outras palavras, Gadamer renuncia a fazer da hermenêutica o fundamento das ciências humanas: “a tarefa da hermenêutica é a de elucidar o milagre da compreensão, não da comunhão misteriosa das almas, mas a da participação de uma significação comum” (p. 208). As condições que tornam o projeto hermenêutico possível são: reabilitação dos pressupostos; reabilitação da autoridade da tradição; o sentido de um texto ultrapassa seu autor; interpretação, compreensão do sentido, distância crítica e acesso ao horizonte do outro; recolocação; o problema da aplicação; o problema da relação com a ética; e compreender é
re-apreender a questão do outro
11
.
Vai ser Ricoeur quem vai repor a questão dos fundamentos para a hermenêutica
recusada por Gadamer. Segundo Dejours, Ricoeur propõe um meio de ultrapassar a oposição
clássica entre ciências da natureza e ciências do espírito, entre explicar e compreender, e
retoma o problema da arbitrariedade da interpretação, ressaltando também a da validação.
Logo, o interesse em dialogar com Ricouer decorre do fato desse autor distinguir e discutir
três operações essenciais no processo de interpretação: a validação, a objetivação e a
avaliação.
Conclui que do ponto de vista epistemológico, Ricoeur e Gadamer chegam a um
forte consenso entre eles: o antipsicologismo. Que as ciências da natureza e as positivistas
excluam a subjetividade de suas atividades científicas enquanto condição básica da
objetividade é compreensível, mas isso ocorrer com a hermenêutica deixa Dejours perplexo.
Com efeito, diz Ricouer, sintetizando a posição de ambos: “É necessário afirmar firmemente
que a questão que se trata de reconstituir diz respeito em primeiro lugar, não às experiências do
pensamento do autor, mas unicamente ao sentido do texto em si mesmo” (citado por Dejours,
1999c, p. 212).
O que incomoda Dejours é o fato desses respeitados hermeneutas terem como
projeto de objetividade de suas atividades a eliminação de qualquer resquício de
subjetividade. Em outras palavras, na sua démarche hermenêutica e científica nas ciências
humanas, Ricoeur se esforça em expurgar “os restos relativos à psicologia do sujeito, seus
modos de pensamento, seu sofrimento, suas intenções e, de uma maneira mais geral, sua
subjetividade” (Dejours, 1999c, p. 212).
Ora, a Psicodinâmica do Trabalho, ao tentar entender a ação de um determinado
sujeito em um contexto determinado de trabalho, sabe que todo comportamento é motivado,
tem um sentido. Se uma certa conduta é insólita, isso se deve ao sofrimento subjetivo e às
estratégias defensivas contra esse sofrimento. A inteligibilidade desse ato do sujeito vem não
da conduta que ele expressa, mas do sofrimento que o motiva. A racionalidade que emerge a
partir dessa análise do sofrimento é denominada por Dejours de racionalidade páthica. Ela se
encontra no centro mesmo da investigação da Psicodinâmica do Trabalho.
Logo, a Psicodinâmica do Trabalho “não é uma disciplina voltada somente para a
produção de conhecimento sobre as relações entre sofrimento, prazer e trabalho (...) o
sofrimento não é um objeto de pesquisa como os outros. A palavra autêntica, pronunciada
sobre o sofrimento, é quase sempre, ao mesmo tempo, demanda de auxílio” (Dejours, 1999c,
p. 215). Dejours defende então que “a pesquisa é também uma ação, e a investigação é
também uma prática (ou melhor, uma práxis)” (p. 215).


Para ler e saber mais: http://www.revistas.usp.br/cpst/article/view/25852